A ocupação do tempo
(Angelo Riccell Piovischini)
há um bonsai na estante, ao pé de livros
com as lombadas a preceito.
a árvore anã,
na atrofia de raízes, tem
os seus contemplativos que pensam, que
o tempo se constrói na castração
metódica dos ramos indicadores,
da passagem do tempo pelo tempo.
não, não contemplo o tempo no bonsai;
eu sou o próprio tempo na
rega das plantas, no aroma das flores;
sou a porta entreaberta do teu sopro.
sim, do sopro da fala que conduz
o crânio o suporte do teu corpo
que vem até mim e dá-se.
saboreio nas pétalas violetas
o pólen que me leva
à visão do jardim da própria sala,
onde fico no tempo ocupado
de mim, de ti e de todas as plantas
que resistem ao olhar crítico. bonsai
perdido entre os livros. porque as coisas
não são simples assim, se por acaso,
não sendo acaso, tenho no bonsai
a restrita medida do meu tempo,
é porque estou além de qualquer medida
mesmo restrita da temporalidade.
é porque escrevo versos sobre o tempo,
que me interessam as frases inclinadas
nas sombras, sede das pedras quinadas
por um escultor, num lago qualquer.
ó, as pedras nas águas fertilizam
lembranças proibidas e delíquas
e me faz esquecer o cheiro da erva
que piso todo o dia. piso a erva
para restrigir o tempo medido.
reparai porque os deuses são (in)temporais.
desenhamos-lhes o infinito tempo
e até na própria morte vivem vida
com os adoradores de circunstância.
as circunstâncias são o tempo todo
e só quando colhemos uma flor
nos damos conta, dou-me donta, desinteressado
de um bonsai esquecido numa estante
que não diz nada sobre o tempo ocupado.
não gosto do bonsai, e deitá-lo fora
talvez dilua noutro tempo o tempo
que eu não quero.
porque o tempo.
porque o tempo. porquê
josé félix
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